sábado, 28 de outubro de 2023

Tirzepatide once weekly for the treatment of obesity in people with type 2 diabetes (SURMOUNT-2): a double-blind, randomised, multicentre, placebo-controlled, phase 3 trial

W Timothy Garvey, Juan P Frias, Ania M Jastreboff, Carel W le Roux, Naveed Sattar, Diego Aizenberg, Huzhang Mao, Shuyu Zhang, Nadia N Ahmad, Mathijs C Bunck, Imane Benabbad, Xiaotian M Zhang, for the SURMOUNT-2 investigators

Lancet 2023, 402 (10402):613-626.

https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(23)01200-X/fulltext


O estudo SURMOUNT-2 investigou a eficácia e a segurança da tirzepatida uma vez por semana para controle do peso em participantes com índice de massa corporal (IMC) de 27 kg/m² ou superior que tenham diabetes tipo 2 (DM2). No estudo SURMOUNT-1 em pessoas com obesidade sem DM2, a tirzepatida reduziu o peso corporal em até 20,9% após 72 semanas de tratamento, com melhorias associadas nos fatores de risco cardiometabólicos e resultados relatados pelo paciente. No entanto, as pessoas com obesidade e DM2 geralmente têm uma menor redução de peso em resposta ao tratamento com medicamentos anti-obesidade, em comparação com aquelas sem diabetes. 

Trata-se de um estudo de 72 semanas, multicêntrico, randomizado, duplo-cego e de grupos paralelos que foi conduzido em 77 locais na Argentina, Brasil, Índia, Japão, Rússia, Taiwan e EUA. Os participantes elegíveis eram adultos (≥ 18 anos) e com IMC ≥ 27 kg/m². Além disso, os participantes foram diagnosticados com DM2 e apresentavam HbA1c de 7 a 10% em terapia estável, dieta e exercícios isolados ou droga hipoglicemiante via oral, por pelo menos 3 meses antes da triagem. Os principais critérios de exclusão incluíram uma alteração no peso corporal de mais de 5 kg em 3 meses antes da triagem, tratamento cirúrgico prévio ou planejado para obesidade e tratamento com medicamentos anti-obesidade, inibidores da dipeptidil peptidase-4 (DPP-4), agonista oral do receptor de GLP-1, ou qualquer terapia injetável para DM2 dentro de 3 meses antes da triagem. 

Os participantes foram designados aleatoriamente (1:1:1) para receber tirzepatida 10 mg, tirzepatida 15 mg, ou equivalente placebo, administrado por via subcutânea usando uma caneta de dose única. Após 3 semanas de triagem, os participantes receberam injeções subcutâneas de tirzepatida ou placebo correspondente uma vez por semana, mais uma intervenção no estilo de vida, por 72 semanas, seguido por um período de acompanhamento de segurança de 4 semanas sem tratamento. Tirzepatida (ou equivalente placebo) foi iniciado com 2,5 mg uma vez por semana e aumentada em 2,5 mg a cada 4 semanas até que a dose alvo fosse atingida (ou seja, 10 mg ou 15 mg em 12 semanas ou 20 semanas, respectivamente). A intervenção no estilo de vida incluiu exercícios físicos regulares de pelo menos 150 minutos por semana e refeições saudáveis e equilibradas com um déficit calórico recomendado de 500 calorias por dia.

Para contabilizar a perda no peso corporal basal, um dos desfechos coprimários foi a alteração percentual no peso corporal desde o início até a semana 72. Uma redução de peso desde o início de pelo menos 5% na semana 72 foi incluída como outro desfecho coprimário. Os principais parâmetros secundários incluíram reduções de peso corporal de pelo menos 10%, 15% e 20% na semana 72; a alteração da linha de base na HbA1c na semana 72; HbA1c < 7%, ≤ 6,5% e < 5,7% na semana 72; e a alteração da linha de base na glicose em jejum, circunferência da cintura, pressão arterial sistólica e níveis lipídicos em jejum na semana 72. 

Os parâmetros de segurança incluíram eventos adversos emergentes do tratamento, eventos adversos graves e hipoglicemia de nível 2 (glicemia < 54 mg/dL) ou hipoglicemia de nível 3 (um episódio com comprometimento cognitivo grave requerendo a assistência de outra pessoa para administrar ativamente carboidratos, glucagon ou outras ações de ressuscitação). Mortes, eventos cardiovasculares adversos graves e pancreatite foram julgados por um comitê externo independente.

Entre 29 de março de 2021 e 10 de abril de 2023, de 1.514 participantes avaliados para elegibilidade, 938 participantes foram inscritos e distribuídos aleatoriamente para tirzepatida 10 mg (n = 312), tirzepatida 15 mg (n = 311) ou placebo (n = 315). 859 (92%) participantes completaram o estudo (296 [95%], 282 [91%] e 281 [89%] com tirzepatida 10 mg, tirzepatida 15 mg e placebo, respectivamente) e 819 [87%] completaram o tratamento do estudo (283 [91%], 268 [86%] e 268 [85%] com tirzepatida 10 mg, tirzepatida 15 mg e placebo, respectivamente). 12 (4%), 23 (7%) e 12 (4%) participantes com tirzepatida 10 mg, tirzepatida 15 mg e placebo, respectivamente, descontinuaram o tratamento devido a eventos adversos.

A demografia basal e as características clínicas foram bem equilibradas entre os grupos. A média de idade dos participantes foi de 54,2 anos, 476 (51%) eram mulheres. O peso corporal basal médio foi de 100,7 kg, IMC de 36,1 kg/m² e HbA1c 8,02%. A duração da obesidade e diabetes foi de 17,7 anos e 8,5 anos, respectivamente.

Para a estimativa do regime de tratamento, que incluiu todos os pacientes randomizados, a variação percentual média no peso corporal desde a linha de base (semana 0) até a semana 72 foi de –12,8% ou –12,9 kg com tirzepatida 10 mg, –14,7% ou –14,8 kg com tirzepatida 15 mg e –3,2% ou –3,2 kg com placebo. Ambas as doses de tirzepatida foram superiores ao placebo, com diferenças de tratamento estimadas em relação ao placebo de -9,6 pontos percentuais (IC95% -11,1 a -8,1; p< 0,0001) para a dose de 10 mg e -11,6 pontos percentuais (IC95% –13,0 a –10,1; p<0,0001) para a dose de 15 mg.  Para a estimativa do regime de tratamento, 79% (n=247) e 83% (n=257) dos participantes nos grupos de tirzepatida 10 mg e tirzepatida 15 mg, respectivamente, tiveram uma redução de peso corporal de 5% ou mais em 72 semanas , em comparação com 32% (n=102) dos participantes do grupo placebo (p<0,0001 para todas as comparações com placebo). 

Partindo de um baseline de HbA1c de 8,02%, a HbA1c melhorou em –2,1% com tirzepatida 10 mg, –2,1% com tirzepatida 15 mg e –0,5% com placebo (p<0,0001 para todas as comparações versus placebo). Na semana 72, a HbA1c média foi de 6,0%, 5,9% e 7,5%, com tirzepatida 10 mg, tirzepatida 15 mg e placebo, respectivamente. A proporção de participantes em cada grupo atingindo níveis de HbA1c de menos de 7,0%, 6,5% ou menos ou menos de 5,7% na semana 72 foi significativamente maior nos grupos de tirzepatida 10 mg e tirzepatida 15 mg em comparação com placebo. 

Não houve diferença significativa entre os grupos na incidência geral de eventos adversos; eventos adversos emergentes do tratamento foram relatados por 242 (78%), 222 (71%) e 239 (76%) participantes tratados com tirzepatida 10 mg, tirzepatida 15 mg e placebo, respectivamente. Os eventos adversos relatados com mais frequência com tirzepatida foram distúrbios gastrointestinais (diarreia, náusea e vômito). A maioria desses eventos ocorreu durante o escalonamento da dose, foram de gravidade leve a moderada e diminuíram com o tempo. Eventos adversos graves foram relatados por 68 (7%) participantes no geral, sem diferenças significativas entre os grupos. Durante o Clube de Revista os seguintes pontos foram discutidos:

  • Os pontos fortes deste estudo incluem a natureza global e o tamanho da amostra. Os participantes foram estratificados pelo efeito no peso dos medicamentos hipoglicemiantes concomitantes, tornando possível reduzir o potencial efeito de confusão dessas drogas. Embora tenha sido realizado durante a pandemia de COVID-19, o estudo apresentou altas taxas de pacientes que completaram o estudo (cerca de 92%), com 87% dos pacientes concluindo o tratamento proposto;

  • As limitações potenciais são que a eficácia de 5 mg de tirzepatida, uma dose aprovada para o tratamento de DM2 que produziu com segurança uma redução de peso significativa em estudos anteriores em participantes com e sem DM2 não foi avaliada neste estudo. Mais de um terço dos indivíduos rastreados não foram incluídos no estudo; a maioria (56%) não atendeu aos critérios de entrada relacionados ao diabetes. As pessoas tratadas com insulina foram excluídas da participação. Foi financiado pela indústria farmacêutica (Eli Lilly and Company) que teve papel no desenho do estudo, na coleta de dados, na análise e na interpretação de dados;

  • Estudo a priori bem conduzido e com análises adequadas. No entanto, há preocupação sobre a aplicabilidade desses resultados em todos os pacientes com diabetes tipo 2, devido aos critérios específicos e restritivos de inclusão no grupo de pacientes examinados. Além disso, não foram fornecidos informações sobre o peso dos participantes após as 4 semanas de acompanhamento de segurança.


Pílula do clube: adultos com IMC ≥ 27 kg/m² e DM2 tratados com tirzepatida por 72 semanas tiveram uma redução média de peso corporal de até 14,7%, com cerca de 80% atingindo uma redução de peso de 5% ou mais. Além disso, os níveis de HbA1c foram reduzidos no final do estudo e acompanhados por baixas taxas de hipoglicemia e nenhum caso de hipoglicemia grave. No entanto, é essencial obter uma compreensão abrangente dos efeitos a longo prazo do tratamento com tirzepatida e avaliar as consequências após a interrupção do medicamento.

Discutido no Clube de Revista de 07/08/2023.

Triple–Hormone-Receptor Agonist Retatrutide for Obesity - A Phase 2 Trial

 Ania M. Jastreboff, Lee M. Kaplan, Juan P. Frías, Qiwei Wu, Yu Du, Sirel Gurbuz, Tamer Coskun, Axel Haupt, Zvonko Milicevic, and Mark L. Hartman, for the Retatrutide Phase 2 Obesity Trial Investigators*


N Engl J Med 2023, 389(6):514-526.

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2301972


A obesidade é uma doença neurometabólica crônica, cada vez mais prevalente na população mundial, com uma estimativa de acometimento de cerca de 25% da população em 2035. Recentemente, com o maior conhecimento quanto aos mecanismos envolvidos nesta doença, terapias específicas para receptores neuroendócrinos vêm sendo desenvolvidas e apresentam uma resposta extremamente satisfatória para tratamento de obesidade, como semaglutida e tirzepatida. Nesse sentido, a retatrutida, um triplo agonista para receptores GIP, GLP-1 e glucagon, tem demonstrado em estudos de fase 1 uma redução de peso importante em paciente com DM2 com o uso de 12 mg, após 12 semanas.

Este ensaio clínico randomizado de fase 2 teve por objetivo investigar a eficácia, efeitos adversos e segurança da retatrutide em várias doses e regimes de escalonamento de dose em pessoas com obesidade que não tinham DM2. Foram randomizados 338 indivíduos adultos, sendo 51,8% homens. Esses participantes foram designados aleatoriamente usando uma proporção de 2:1:1:1:1:2:2 para vários grupos de tratamento. Eles receberam doses subcutâneas de retatrutida da seguinte forma: 1 mg, 4 mg (dose inicial de 2 mg), 4 mg (dose inicial de 4 mg), 8 mg (dose inicial de 2 mg), 8 mg (dose inicial de 4 mg) ou 12 mg (dose inicial de 2 mg), uma vez por semana por uma duração de 48 semanas.

O desfecho primário, que consistia na média de alteração em peso dos grupos tratados em 24 semanas, foi de -7,2% no grupo de 1 mg (IC −8,5 a −5,9); -11,8% no grupo de 4 mg com dose inicial de 2 mg (−13,3 a −10,2); -13,9% no grupo de 4 mg com dose inicial de 4 mg (−15,9 a −11,9); -16,7% no grupo de 8 mg com dose inicial de 2 mg (−18,4 a −15,1); -17,9% no grupo de 8 mg com dose inicial de 4 mg (−19,7 a −16,1) e -17,5% no grupo de 12 mg com dose inicial de 2 mg (−18,8 a −16,1) em comparação com -1,6% no grupo do placebo (-2,7 a −0,5). Já o desfecho secundário, a média de alteração percentual no peso com 48 semanas, foi de -8,7% no grupo de 1 mg (−10,5 a −6,8), -16,3% no grupo de 4 mg com dose inicial de 2 mg (−19,4 a −13,2), -17,8% no grupo de 4 mg com dose inicial de 4 mg (−20,8 a −14,8), -21,7% no grupo de 8 mg com dose inicial de 2 mg (−24,5 a −19,0), -23,9% no grupo de 8 mg com dose inicial de 4 mg (−24,5 a −19,0) e -24,2% no grupo de 12 mg com dose inicial de 2 mg (−26,6 a −21,8), em comparação com -2,1% no grupo do placebo (−3,5 a −0,7). A diferença estimada em relação ao placebo na alteração percentual de peso nas 48 semanas variou de -6,6 a -22,1 pontos percentuais nos grupos tratados com retatrutida.

Além disso, em 48 semanas, de 64% a 100% dos participantes nos grupos tratados com retatrutida apresentaram reduções de peso corporal de 5% ou mais, em comparação com 27% dos participantes no grupo placebo. Uma maior porcentagem de participantes tiveram reduções de peso corporal de 10% ou mais e 15% ou mais com retatrutida (em todas as doses) do que com placebo. Nas 48 semanas, uma redução de peso de 5% ou mais, 10% ou mais e 15% ou mais foi alcançada em 92%, 75% e 60% dos participantes, respectivamente, que receberam 4 mg de retatrutida (com qualquer dose inicial); em 100%, 91% e 75% daqueles que receberam 8 mg (com qualquer dose inicial); e em 100%, 93% e 83% daqueles que receberam 12 mg. Reduções de peso corporal de 20% ou mais e 25% ou mais foram mais comuns entre os participantes que receberam retatrutida em uma dose de pelo menos 4 mg do que entre aqueles que receberam placebo. No grupo de retatrutida de 12 mg, 26% dos participantes tiveram uma redução de peso corporal de 30% ou mais. Vale salientar, ainda, que os gráficos de perda de peso não demonstram um platô na queda do peso, diferentemente do previamente descrito em estudos anteriores com medicações com o mesmo intuito, demonstrando assim um potencial efeito ainda maior quando forem realizadas análises com maior tempo de seguimento.  

Quanto as análises pré-especificadas, foi demonstrado que maiores reduções percentuais de peso foram alcançadas com o uso de doses mais elevadas de  retatrutida entre os participantes com um IMC de 35 ou mais do que entre aqueles com um IMC menor que 35 (de 26,4 a 26,5% x -21,3 a -22,1%) e entre as participantes do sexo feminino do que entre os participantes do sexo masculino (de - 26,6% a - 28,5% x 19,8% a 21,9%). O tratamento ainda foi associado a melhorias em medidas cardiometabólicas, incluindo redução da pressão arterial sistólica e diastólica, melhora dos níveis de hemoglobina glicada, glicose em jejum, e redução dos perfil lipídico (colesterol total, triglicerídeos, VLDL, e LDL), exceto HDL, que demonstrou aumento, nas semanas 24 e 48. 

Os eventos adversos mais frequentemente relatados foram gastrointestinais (como náusea, diarreia, vômitos e constipação) e ocorreram com maior frequência no grupo intervenção do que com o placebo (73 a 93% nos grupos com retatrutida x 70% no grupo placebo). Os eventos adversos gastrointestinais nos grupos tratados com retatrutida ocorreram principalmente durante a escalada da dose, classificados predominantemente de gravidade leve a moderada, e foram mais frequentes nos grupos de doses mais elevadas, sendo esses efeitos parcialmente atenuados pelo uso de uma dose inicial menor (2 mg em comparação com 4 mg). Principais pontos discutidos no clube foram

  • Doses mais elevadas de retatrutide como 12 mg levaram a uma redução média de peso de 24,2% após 48 semanas: quase dois terços dos pacientes perderam 20% ou mais, quase metade perdeu 25% e cerca de um quarto perdeu 30% ou mais neste período. Esse efeito demonstra uma eficácia semelhante à cirurgia bariátrica;

  • Os gráficos de perda de peso demonstram que reduções de peso ainda maiores podem ser observadas no ensaio de fase 3 de maior duração, visto que as curvas não chegaram a atingir um plato de perda de peso como descrito em outros estudos com medicamentos com o mesmo objetivo;

  • Os principais beneficiados são paciente IMC > 35 e do sexo feminino, visto esses grupos terem apresentados maiores médias de perda de peso no seguimento de 48 semanas;

  • O perfil de segurança é semelhante ao das terapias baseadas em GLP-1 ou GIP-GLP-1, sendo os eventos do trato gastrointestinal os efeitos mais comuns, em sua grande maioria classificados como leves a moderados e transitórios, sendo a frequência maior nos grupos com maior dose e sem escalonamento de dose.


Pílula do Clube: em adultos com obesidade, o tratamento semanal com triplo agonista GLP1 - GIP - GCG (retatrutide) resultou em reduções substanciais no peso corporal nas semanas 24 e 48, com eficácia dependente da dose, sendo que esses resultados podem ser equivalentes à perda de peso evidenciada na cirurgia bariátrica, com perfil de segurança adequado.


Discutido no Clube de Revista de 31/07/2023.

Vitamin D supplementation and major cardiovascular events: D-Health randomised controlled trial

 Bridie Thompson, Mary Waterhouse, Dallas R English, Donald S McLeod, Bruce K Armstrong, Catherine Baxter, Briony Duarte Romero, Peter R Ebeling, Gunter Hartel, Michael G Kimlin, Sabbir T Rahman, Jolieke C van der Pols, Alison J Venn, Penelope M Webb, David C Whiteman, Rachel E Neale.


BMJ2023;381:e075230

https://www.bmj.com/content/381/bmj-2023-075230


A doença coronariana (DAC) e o acidente vascular cerebral (AVC) estão entre as principais causas de morte no mundo. O aumento no número de casos de doenças cardiovasculares é uma tendência preocupante, impulsionada pelo envelhecimento da população em países desenvolvidos e pela prevalência de doenças não transmissíveis em países de baixa a média renda. A vitamina D é um nutriente com efeitos biológicos que sugerem uma possível influência nas doenças cardiovasculares, mas estudos observacionais até o momento têm apresentado resultados divergentes. Além disso, uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados não encontrou benefícios na prevenção de eventos cardiovasculares com a suplementação de vitamina D. Nesse contexto, o D-Health Trial buscou esclarecer se doses mensais de 60.000 UI de vitamina D poderiam impactar eventos cardiovasculares em pacientes com 60 anos ou mais.

O D-Health Trial foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Realizado entre janeiro de 2014 e maio de 2015, recrutou participantes com idades entre 60 e 79 anos em todos os estados e territórios da Austrália, com exceção do Território do Norte. Além disso, voluntários entre 60 e 84 anos também foram recrutados por meio das mídias sociais. Foram excluídos os pacientes com história de hipercalcemia, hiperparatireoidismo, nefrolitíase, osteomalácia, sarcoidose ou com ingestão diária de suplementos ou alimentos contendo > 500 UI de vitamina D. Os participantes foram randomizados para receber 60.000 UI de vitamina D3 ou placebo, administrados mensalmente. A adesão foi monitorada, e os eventos cardiovasculares foram determinados por meio de registros hospitalares, registros do sistema de saúde da Austrália (Medicare) e dados de mortalidade. 

O desfecho primário foi estabelecido como um MACE modificado, porém sem inclusão de óbitos por doença cardíaca. Assim, definiu-se o desfecho primário como sendo composto pela ocorrência de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral (hemorrágico e isquêmico) e revascularização coronariana. Já os desfechos secundários foram definidos como cada um dos eventos do desfecho primário separadamente.

Durante o recrutamento entre janeiro de 2014 e maio de 2015, 21.315 indivíduos foram incluídos no D-Health Trial, com acompanhamento médio de cinco anos. A maioria dos participantes relatou boa adesão, resultando em concentrações séricas médias mais elevadas de 25(OH)D no grupo de vitamina D em comparação ao grupo placebo. No decorrer do estudo, ocorreram 1.336 eventos cardiovasculares importantes, sendo 637 (6%) no grupo de vitamina D e 699 (6,6%) no grupo placebo (HR 0.91, CI 95% 0.81-1.01). Embora a taxa de eventos cardiovasculares importantes tenha sido ligeiramente menor no grupo de vitamina D, essa diferença não atingiu significância estatística. Não houve um efeito significativo da vitamina D na redução desses eventos ao longo do tempo. Entretanto, análises exploratórias sugeriram um possível efeito benéfico da vitamina D em subgrupos específicos, como aqueles com concentração de 25(OH)D no sangue ≥50 nmol/L, indivíduos que usavam previamente estatinas ou outros medicamentos de benefício cardiovascular no início do estudo e aqueles sem histórico prévio de eventos cardiovasculares.

Em discussão no clube de revista, definiram-se os pontos fortes e as limitações do estudo como sendo: 

Pontos Fortes do Estudo:

  • Amostra representativa de mais de 21.000 participantes da população em geral

  • Taxa elevada de adesão ao tratamento e pequena perda de pacientes

  • Dados confiáveis e precisos sobre a ocorrência dos eventos do desfecho primário, pois os dados são dispostos em um sistema nacional integrado

  • Determinação precisa de eventos cardiovasculares e mortalidade por meio de abordagens abrangentes de ligação de dados.

Limitações do Estudo:

  • Diferenças absolutas na incidência de eventos cardiovasculares entre os grupos de vitamina D e placebo foram pequenas, questionando seu impacto clínico.

  • Uso de previsões de concentração de vitamina D em vez de medições diretas.

  • População do estudo com baixa prevalência de deficiência de vitamina D, limitando a generalização dos resultados

  • Os resultados com diferença significativa em favor da vitamina D foram obtidos em análises exploratórias


Pílula do Clube: os resultados deste estudo seguem na mesma linha de outros grandes estudos sobre a suplementação de vitamina D, demonstrando que o uso de vitamina D não reduz os riscos de doenças cardiovasculares. 


Discutido no Clube de Revista de 24/07/2023.

Mortality Not Increased in Patients With Nonfunctional Adrenal Adenomas: A Matched Cohort Study

 Kjellbom A, Lindgren O, Danielsson M, Olsen H


J Clin Endocrinol Metab 2023, 108(8):e536-e541.

https://academic.oup.com/jcem/article/108/8/e536/7044760?login=true 


Neste encontro, adicionamos contexto ao artigo apresentado no Clube do dia 03/07/2023, que verificou aumento de mortalidade em pacientes com adenoma adrenal não funcionante, utilizando dados do sistema de saúde estatal da Suécia. Os autores deste artigo usam informações de prontuários de dois hospitais terciários da Suécia, comparando adultos com constatação de incidentalomas adrenais, do diagnóstico até morte, adrenalectomia ou emigração. Após excluir os candidatos com lesões produtoras, câncer metastático, ou com incapacidade de realizar o teste de supressão com dexametasona, os pacientes foram estratificados em quatro grupos conforme o resultado do teste de supressão e comparados com controles pareados por sexo, idade e local de residência

Em seus resultados, o artigo não encontra diferenças entre mortalidade geral do grupo controle e do grupo com cortisol pós supressão <1,8 µg/dL, nem entre controles e pacientes com cortisol pós supressão <2,9 µg/dL. A mortalidade geral e por doenças cardiovasculares ou câncer foi maior apenas no grupo com cortisol pós supressão >2,9 µg/dL, especialmente no subgrupo com valores >5 µg/dL, ou em pacientes <65 anos com cortisol pós supressão >1,8 µg/dL

Limitações citadas no artigo incluíram o fato de que o grupo de pacientes com adenomas não funcionantes tinha uma prevalência de tabagismo e diabetes maior que a população geral da Suécia, e não houve pareamento dos controles em relação a estes fatores. Além disso, o grande número de medicações que interferem no teste de supressão pós dexametasona resultou na exclusão de um número considerável de pacientes com outras doenças, o que poderia gerar “viés de pessoa saudável”, subestimando a mortalidade desta população. Pontos discutidos no clube incluíram:

  • As diferenças de idade e mortalidade entre o grupo “não funcionante” e a população geral da Suécia, mostrada no artigo de 03/07/2023;

  • A necessidade de meta-análise do assunto, devido ao número de estudos com resultados conflitantes.


Pílula do Clube: Apesar do grande número de casos avaliados, os vieses inerentes ao desenho do estudo não permitem excluir que realmente exista uma diferença de mortalidade em pacientes com adenomas adrenais não funcionantes, e é necessário contextualizar os resultados antagônicos entre os estudos.


Discutido no Clube de Revista de 17/07/2023.

Seven‐Year Results of a Randomized Trial Comparing Banded Roux‐en‐Y Gastric Bypass to Sleeve Gastrectomy for Type 2 Diabetes and Weight Loss

 Jack S. Pullman, Lindsay D. Plank, Sherry Nisbet, Rinki Murphy, Michael W. C. Booth


Obesity Surgery 2023; 33:1989–1996

https://link.springer.com/article/10.1007/s11695-023-06635-x 


Bypass gástrico em Y de Roux (LRYGB) e gastrectomia por sleeve (LSG) são procedimentos efetivos no manejo da obesidade, porém há poucos dados comparando os procedimentos quanto à remissão de diabetes tipo 2 (DM2) em indivíduos com obesidade em longo prazo. O objetivo do estudo foi avaliar a remissão do DM2 e perda de peso em pacientes submetidos a estes procedimentos após 7 anos de acompanhamento.

Pacientes entre 20-55 anos de idade, IMC 35–65 kg/m2, DM2 com pelo menos 6 meses de duração e com possibilidade de procedimento cirúrgico foram randomizados 1:1 ente 2011-2014 em um único centro na Nova Zelândia. Houve estratificação de acordo com idade, IMC, etnia, duração do diabetes e uso de insulina por poderem interferir na resposta terapêutica. Os pacientes e avaliadores eram cegos até o 5º ano de acompanhamento (a alocação foi informada apenas para equipe cirúrgica na indução anestésica). Foi optado por realizar by-pass gástrico em Y de Roux bandado (SR- LRYGB), ou seja, adição de um anel na bolsa gástrica com objetivo de reduzir a dilatação da mesma. Remissão do diabetes em 7 anos, definida como HbA1c <6% sem uso de medicação por pelo menos 6 meses, foi estabelecido como desfecho primário do estudo. Desfechos secundários incluíam limiares de HbA1c (HbA1c < 7%, < 6,5% e ≤ 5,6%), percentual de perda de peso absoluto,  percentual de perda de excesso de peso e eventos adversos relacionados à cirurgia. Foram randomizados 114 pacientes, 58 para grupo da LSG e 56 para SR-LRYGB. Houve perda de 3 participantes em cada grupo ao final de 5 anos de acompanhamento e 6 e 19 participantes ao final de 7 anos de acompanhamento nos grupos SR-LRYGB e LSG, respectivamente. A remissão do DM2 foi observada em 46% (23 de 50 participantes) no grupo SR-LRYGB em comparação com 30,8% (12 de 39 participantes) no grupo LSG (OR 4,64; IC 95% 1,39 - 15,52; p = 0,013). Os participantes atingiram HbA1c ≤ 5,6% (15 vs 28%, p = 0,062), < 6,5% (36 vs 62%, p = 0,002) ou < 7% (44 vs 66%, p = 0,006) em LSG vs SR-LRYGB , respectivamente. A medida de peso e altura estava disponível para 49 pacientes (26 no grupo SR-LRYGB e 23 no grupo LSG). Os participantes do grupo SR-LRYGB tiveram uma porcentagem  maior de perda de peso corporal total do baseline até 7 anos de acompanhamento: 26,2% vs 13,4%; diferença absoluta 12,8%; IC 95% 7,2 - 18,2; p < 0,0001, bem como uma porcentagem maior de perda de excesso de peso (66% vs 37,8%; diferença absoluta 28,2%; IC 95% 14,3 - 42,1; p = 0,0002).

Não houve diferença em relação à taxa de morbidade menor e maior entre os grupos, além de não haver diferença entre complicações precoces (< 30 dias da cirurgia) e tardias (7 anos). Três pacientes (4,7%) no braço SR-LRYGB necessitaram de ajuste ou remoção do anel, consistente com dados publicados; um paciente no grupo LSG precisou de conversão para SR-LRYGB para refluxo grave, e esse paciente também teve seu anel silástico removido por disfagia. 

As forças do estudo incluem: desenho randomizado, longa duração do acompanhamento, remissão do DM2 como desfecho primário (diferente dos outros estudos, que geralmente se concentram na perda de peso). O desenho do estudo incluía o cegamento até 5 anos de acompanhamento, logo aos 7 anos poderia haver chance de viés de relatório (quebra do cegamento), contudo os resultados são semelhantes aos relatados com 5 anos de acompanhamento. Inclui-se como limitação: centro único (homogeneidade no cuidado e acompanhamento, porém questionável generalização), impossibilidade de coleta de outros dados (avaliação funcional) devido à pandemia da COVID-19, perda de seguimento mais expressiva no grupo LSG e fato de não haver um grupo controle de bypass gástrico em Y de Roux sem a colocação do anel. No Clube de Revista foram discutidos os seguintes pontos:

  • Uma possível crítica à adição do anel é a possibilidade de aumento de eventos adversos relacionados à sua inserção;

  • Uso dos termos “cirurgia bariátrica x cirurgia metabólica” em contexto de obesidade e DM2; 

  • Mesmo com perda de seguimento  maior no grupo da gastrectomia por sleeve, os resultados encontrados foram semelhantes aos de 5 anos de acompanhamento, o qual incluiu uma perda menor de acompanhamento;

  • Em relação aos eventos adversos, foram avaliados predominantemente eventos cirúrgicos, sem avaliação de outras variáveis clínicas;

  • Questionado acerca do procedimento proposto, ou seja, bypass gástrico em Y de Roux bandado, considerando que não é o mais comum na prática, e se isso poderia ter influenciado nos resultados encontrados. 


Pílula do Clube: Em longo prazo, o by-pass gástrico em Y de Roux bandado parece ser superior à gastrectomia por sleeve quanto à remissão do DM2 e perda de peso em pacientes com DM2 e obesidade, sem diferença em complicações cirúrgicas precoces ou tardias entre ambos procedimentos. 


Discutido no Clube de Revista de 05/07/2023.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Mortality in Patients With Nonfunctional Adrenal Tumors

 Jekaterina Patrova, Buster Mannheimer, Jonatan D. Lindh, Henrik Falhammar


JAMA Intern Med 2023, 183(8):832-838.

https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2806462


O aumento do uso de exames de imagem em diversos contextos clínicos resultou em um aumento no diagnóstico de tumores adrenais, que aparentam ter uma prevalência razoável na população. Uma minoria destes terá secreção de cortisol detectável, e outros estudos parecem indicar que esta produção está relacionada a desfechos ruins. No caso de adenomas não funcionantes, entretanto, não existem dados populacionais quanto à mortalidade

Os autores tentam preencher esta lacuna do conhecimento usando informações do sistema de saúde estatal da Suécia, levantando dados de mortalidade de pacientes com registro de CID-10 D44.1 e D35.0 (neoplasia de comportamento incerto da glândula adrenal e neoplasia benigna da glândula adrenal, respectivamente). Após excluírem pacientes com CIDs de tumores secretores, os autores pareiam os pacientes com um grupo controle de idade, sexo e domicílio semelhante.

Os resultados encontrados no artigo mostram mortalidade geral, mortalidade cardiovascular e mortalidade por neoplasia maior em todos os subgrupos de pacientes com adenomas adrenais não funcionantes, quando comparados com controles que não possuíam este CID. Foram analisados cenários alternativos, como no caso de pacientes com diagnóstico de apendicite, ou diversas doenças de via biliar (estes casos serviriam como proxy para “pacientes que realizaram um exame de imagem”), com manutenção dos resultados. A diferença de mortalidade não se manteve apenas na análise que considerou pacientes que realizaram adrenalectomia

Limitações citadas no artigo incluíram o fato de o a população controle não ter, necessariamente, realizado exame de imagem, além da preocupação com os exames de imagem terem sido solicitados em uma população que potencialmente estaria investigando neoplasias. Como justificativa de plausibilidade biológica para a o efeito, o artigo cita uma predisposição maior a tumores como efeito confundidor, ou a presença de secreção de cortisol não detectável laboratorialmente. Os pontos discutidos no Clube incluíram:

  • O fato de o grupo controle não ter necessariamente feito um exame de imagem;

  • A maior carga de doença do grupo com adenoma, uma vez que necessitaram de exame de imagem por alguma razão;

  • A ausência de códigos no CID-10 para secreção de cortisol que não se enquadrem como síndrome de Cushing;

  • A necessidade de estudos prospectivos com bancos de dados completos o suficiente para permitir inferência causal.


Pílula do Clube: Apesar do grande número de casos avaliados, os vieses inerentes ao desenho do estudo não permitem concluir que realmente exista uma mortalidade em pacientes com adenomas adrenais não funcionantes, mas é uma área a ser investigada em novas pesquisas.


Discutido no Clube de Revista de 03/07/2023.

Cardiovascular Safety of Testosterone - Replacement Therapy

 A.M. Lincoff, S. Bhasin, P. Flevaris, L.M. Mitchell, S. Basaria, W.E. Boden, G.R. Cunningham, C.B. Granger, M. Khera, I.M. Thompson, Jr., Q. Wang, K. Wolski, D. Davey, V. Kalahasti, N. Khan, M.G. Miller, M.C. Snabes, A. Chan, E. Dubcenco, X. Li, T. Yi, B. Huang, K.M. Pencina, T.G. Travison, and S.E. Nissen, for the TRAVERSE Study Investigators* 


N Engl J Med 2023; 389:107-117

https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2215025 


O estudo TRAVERSE foi realizado para determinar os efeitos da terapia de reposição de testosterona na incidência de eventos cardiovasculares maiores em homens de meia-idade e idosos com hipogonadismo e histórico prévio ou alto risco de doença cardiovascular. O objetivo era preencher uma lacuna existente sobre os efeitos cardiovasculares da terapia de reposição de testosterona, já que estudos anteriores forneceram resultados conflitantes. 

Trata-se de um estudo de fase 4, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, de não inferioridade. Foi realizado em 316 locais de ensaios clínicos nos Estados Unidos e foi financiado por um consórcio de fabricantes de testosterona liderados pela AbbVie. Incluiu homens com doença cardiovascular pré-existente ou alto risco cardiovascular, entre 45 e 80 anos de idade. Os critérios de elegibilidade incluíam a presença de um ou mais sintomas de hipogonadismo, como diminuição do desejo sexual, ereções espontâneas reduzidas, fadiga ou diminuição de energia, humor deprimido, redução de pelos corporais ou menor frequência de barbear, e ondas de calor. Além disso, os participantes deveriam ter níveis de testosterona sérica em jejum < 300 ng/dl, obtidos entre as 5h as 11h da manhã. Doença cardiovascular foi definida como evidência clínica ou angiográfica de doença arterial coronariana, doença cerebrovascular ou doença arterial periférica. O aumento do risco cardiovascular foi definido como a presença de três ou mais dos seguintes fatores de risco: hipertensão, dislipidemia, tabagismo atual, DRC estágio 3, diabetes, nível elevado de proteína C reativa de alta sensibilidade, idade ≥ 65 anos, ou um escore de cálcio coronariano > p75 para idade e raça.

Os pacientes foram divididos aleatoriamente em uma proporção de 1:1 para receber gel de testosterona transdérmico a 1,62% diariamente ou um gel de placebo correspondente. A randomização foi estratificada de acordo com a presença ou ausência de doença cardiovascular pré-existente. 

O desfecho primário de segurança foi a primeira ocorrência de qualquer componente do MACE, uma combinação de morte por causas cardiovasculares, infarto não fatal ou acidente vascular cerebral não fatal em uma análise de tempo até o evento. O desfecho secundário foi a primeira ocorrência de qualquer componente do MACE ou revascularização coronariana em uma análise de tempo até o evento. 

5.246 pacientes foram randomizados e 5.204 pacientes foram incluídos na análise completa, 2.601 foram designados para receber testosterona e 2.603 foram designados para receber placebo. A população de segurança incluiu 5.198 pacientes que receberam pelo menos uma dose de testosterona ou placebo (2.596 pacientes no grupo testosterona e 2.602 no grupo placebo). No decorrer do estudo, dados cegos dos primeiros 2.669 pacientes mostraram uma taxa combinada de eventos primários abaixo da taxa projetada de 1,5% ao ano. Por isso, em 31 de maio de 2019, foi descontinuada a inscrição de pacientes qualificados com base em fatores de risco cardiovascular e, posteriormente, inscreveram apenas aqueles com doença cardiovascular preexistente. Ao final do acompanhamento, 372 eventos do desfecho primário ocorreram e 306 foram qualificados para a análise de sensibilidade principal, que inclui os eventos que ocorreram desde a randomização até 365 dias após a última dose, com censura de dados sobre eventos que ocorreram mais de 365 dias após a última dose de testosterona ou placebo.

O estudo incluiu 2.847 pacientes com doença cardiovascular preexistente e 2.357 pacientes com risco cardiovascular elevado. A mediana do nível basal de testosterona sérica foi de 227 ng/dL. As durações médias (±DP) de tratamento e acompanhamento, respectivamente, foram 21,8±14,2 e 33,1±12 meses no grupo testosterona e 21,6±14 e 32,9±12,1 meses no grupo placebo. Um total de 61,4% dos pacientes do grupo testosterona descontinuou a reposição e 61,7% dos pacientes do grupo placebo descontinuaram o placebo. Um total de 1.082 pacientes (20,8%) retirou-se do estudo antes do início das consultas de final de estudo, e outros 947 pacientes (18,2%) não compareceram à consulta de final de estudo após essa data. 

Um evento do desfecho primário ocorreu em 182 pacientes (7%) no grupo de testosterona e em 190 pacientes (7,3%) no grupo de placebo (taxa de risco, 0,96; IC 95% 0,78 a 1,17; P<0,001 para não inferioridade). Na análise de sensibilidade principal, um evento primário de segurança ocorreu em 154 pacientes (5,9%) no grupo de testosterona e em 152 pacientes (5,8%) no grupo placebo (taxa de risco, 1,02; IC 95% 0,81 a 1,27; P<0,001 para não inferioridade). Ocorreu uma maior incidência de embolia pulmonar no grupo da testosterona do que no grupo placebo (0,9% vs. 0,5%).

Não houve diferença em relação a incidência de diagnóstico de câncer de próstata, apesar do grupo da testosterona ter tido um aumento maior dos níveis de PSA (0,20±0,61 ng/ml vs. 0,08±0,90 ng/ml; P<0,001). Arritmias não fatais que necessitaram de intervenção ocorreram em 134 pacientes (5,2%) no grupo testosterona e em 87 pacientes (3,3%) no grupo placebo (P=0,001); fibrilação atrial ocorreu em 91 pacientes (3,5%) no grupo testosterona e 63 pacientes (2,4%) no grupo placebo (P = 0,02), e lesão renal aguda ocorreu em 60 pacientes (2,3%) no grupo testosterona e 40 pacientes (1,5%) no grupo placebo (P =0,04). Os seguintes pontos foram discutidos no Clube:

  • Pontos fortes: desenho prospectivo, duplo-cego e multicêntrico; grande tamanho da amostra; eventos do desfecho primário escolhidos foram significativos clinicamente;

  • Limitações apontadas: financiado por um consórcio de farmacêuticas fabricantes de testosterona; critérios de inclusão discutíveis, os sintomas atribuíveis ao hipogonadismo foram muito amplos e inespecíficos, o que possivelmente levou a inclusão de pacientes com sintomas que não eram atribuídos a esta patologia. Grande proporção de descontinuidade do tratamento em ambos os grupos;

  • Considerando que grande parte dos pacientes era obeso, deveria ter sido descrito o cálculo da testosterona livre e dosagem de SHBG, já que, nestes casos, poderia tratar-se de um hipogonadismo funcional onde a reposição de testosterona não é o tratamento de escolha;

  • Além das limitações já mencionadas, temos dúvidas em relação à análise dos resultados com base na população de segurança, em vez da análise por protocolo, o que seria mais apropriado para um estudo de não inferioridade.


Pílula do Clube: Levando em consideração as limitações mencionadas e a descontinuação considerável do tratamento, não podemos afirmar com segurança, com base neste estudo, que a reposição de testosterona seja segura do ponto de vista cardiovascular para esse grupo de pacientes. 


Discutido no Clube de Revista de 26/06/2023.

Tirzepatide once weekly for the treatment of obesity in people with type 2 diabetes (SURMOUNT-2): a double-blind, randomised, multicentre, placebo-controlled, phase 3 trial

W Timothy Garvey, Juan P Frias, Ania M Jastreboff, Carel W le Roux, Naveed Sattar, Diego Aizenberg, Huzhang Mao, Shuyu Zhang, Nadia N Ahmad,...