Bolinder
J, Antuna R, Geelhoed-Duijvestijn, Kröger J, Weitgasser R.
Lancet 2016,
388(10057):2254-2263.
Trata-se de ensaio clínico multicêntrico,
randomizado, controlado, não mascarado, objetivando avaliar a eficácia do
sensor de glicose FreeStyle Libre (FSL) na prevenção de hipoglicemias em
adultos com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) bem controlado. Os pacientes, recrutados
em 23 centros europeus, foram incluídos se tivessem idade ≥ 18 anos, duração do
DM1 por 5 ou mais anos, uso do esquema de insulina atual por pelo menos 3
meses, hemoglobina glicada (HbA1c) ≤ 7,5%,
automonitorização de glicemia capilar ≥3 vezes por dia há pelo menos 2 meses e
capacidade de operar o FSL. Foram excluídos os pacientes com não percepção à
hipoglicemia, episódio de cetoacidose ou infarto nos últimos 6 meses, alergia
conhecida a adesivos de uso médico, uso de monitor contínuo de glicose nos
últimos 4 meses, uso de bomba de insulina com sensor, gestantes ou mulheres com
plano de gestar ou uso de corticoides.
No período de screening e arrolamento todos os pacientes tiveram a HbA1c dosada,
medidas do exame físico foram registradas e questionários de qualidade de vida
foram aplicados. Todos os participantes utilizaram o FSL por um período de 14
dias sem que os investigadores ou pacientes tivessem acesso aos valores
registrados. Aqueles indivíduos que utilizaram o FSL por pelo menos 50% deste
período inicial foram randomizados para intervenção ou controle com monitorização
habitual de glicemia capilar. Após, pacientes (intervenção) e investigadores
passaram a ter acesso aos registros. Os pacientes sob intervenção poderiam
utilizar o software do dispositivo para auxilio no autocuidado, porém não foi
oferecido treinamento para o uso. Nos meses 3 e 6 o grupo controle utilizarou o
FSL por 14 dias de forma cegada para comparações ao final do estudo. Não havia
protocolo padronizado de tratamento. O desfecho primário foi o tempo passado em
hipoglicemia (<70 mg/dL) nos 14 dias anteriores ao final do estudo de 6
meses. Desfechos secundários pré-especificados foram as medidas glicêmicas do
sensor, HbA1c final, mudança na dose de insulina, grau de utilização do
dispositivo, frequência da realização de glicemias capilares ou leituras no
FSL, número e duração das hipoglicemias, tempo de permanência na meta glicêmica
de 70-180 mg/dL, número e duração de episódios de hiperglicemia e medidas de
variabilidade glicêmica.
Foram randomizados 241 pacientes (120 intervenção,
121 controle). Houve redução de 38% no tempo em hipoglicemia nos pacientes que
utilizaram o FSL (de 3.38h/dia para 2.03h/dia no grupo FSL e de 3.44h/dia para
3.27h/dia no grupo controle, p<0.0001). O número de eventos de hipoglicemia
também reduziu significativamente, mesmo em análises por períodos do dia. O
tempo em hipoglicemia reduziu precocemente a partir do momento em que os dados
do sensor foram liberados aos pacientes do grupo intervenção. Houve também
redução de 19,1% no tempo em hiperglicemia > 240 mg/dL (de 1.85h/24h para
1.67h/24h no grupo intervenção e de 1.91h/24h para 2.06h/24h no grupo controle,
p<0.0247). O tempo na meta entre 70-180 mg/dL aumentou no grupo intervenção (de
15h para 15.8h no grupo intervenção e de 14.8 para 14.6 no grupo controle,
P=0.0006). Em 6 meses, não houve diferença na HbA1c entre os grupos. O número
médio de leituras diárias da glicemia intersticial com o FSL foi de 15,1,
enquanto que o grupo controle realizou uma média de 5,8 a 5,6 testes por dia.
Não houve diferenças na dose diária de insulina e qualidade de vida entre os
dois grupos ao final do estudo. Entre os efeitos adversos, houve 248 sinais ou
sintomas relacionados com o local de inserção em 65 pacientes. Durante o clube
foram discutidos os seguintes aspectos:
·
Nessa população de pacientes com DM1 bem
controlados e bastante habituados ao autocuidado, a redução no número de
hipoglicemias foi clinicamente relevante e suplanta a redução atingida por
outras intervenções conhecidas como, por exemplo, a substituição da insulina
NPH por análogos de longa ação;
·
Embora não tenha havido diferença na dose total
diária de insulina, provavelmente os dados do sensor possibilitaram uma melhor
distribuição das doses ao longo do dia com consequente redução das
hipoglicemias e da variabilidade glicêmica;
·
Mesmo sem treinamento específico os pacientes
reduziram as hipoglicemias precocemente, demonstrando que nessa população bem
instruída a utilização do dispositivo é intuitiva e de rápido aprendizado;
·
Os resultados obtidos com o sensor devem ser
utilizados para ajustar as doses de insulina sem, no entanto, desrespeitar o
conhecido perfil farmacológico de cada tipo de insulina;
·
Preocupa o fato do sensor gerar um número não
desprezível de reações cutâneas, o que poderá limitar o uso em longo prazo nos
pacientes suscetíveis;
Pílula
do clube: o uso do FSL em pacientes com DM1 bem
controlados e habituados ao autocuidado reduz episódios de hipoglicemia,
tornando o método uma promissora ferramenta no combate a este temido efeito
adverso do tratamento intensivo da doença.
Discutido
no Clube de Revista de 17/10/2016.